Em Vespasiano Corrêa, na Serra Gaúcha, a Agropecuária Nova Esperança carrega mais de cem anos de história nas mãos da família Balerini. Mas foi nos últimos anos que a propriedade passou por sua maior transformação, não apenas em números de produção, mas em mentalidade. O que antes era uma fazenda tradicional tornou-se um exemplo de gestão profissional, onde o sucesso não vem de um único indivíduo, mas do alinhamento de toda uma equipe.
“O diálogo da sucessão é bem difícil. Geralmente não são os pais que trazem esse assunto, parte dos filhos que muitas vezes vão buscar conhecimento de fora e entendem que esse é um assunto que tem que ser tratado dentro do negócio“, conta Fabrício Balerini, um dos sócios proprietários da fazenda.
A propriedade começou com os avós de Fabrício, que criaram 13 filhos em 25 hectares trabalhando com fumicultura, suinocultura, milho e pecuária leiteira. Dois irmãos, Selvi e Vitelmo, retornaram em 1970 para dar continuidade aos negócios com suas esposas. Décadas depois, incentivaram seus filhos a estudar, formaram-se Técnicos Agrícolas, Engenheiros Agrônomos, uma Médica Veterinária e uma Administradora de Empresas.
Mas quando chegou a hora da nova geração assumir, o cenário revelou-se mais complexo do que o esperado. Eram duas famílias envolvidas, cada uma com perfis e formas de trabalho diferentes. “No nosso caso, como são duas famílias, era mais delicado ainda“, relembra Fabrício.
A tentativa de conduzir o processo internamente não funcionou e decidiram buscar ajuda externa, através de uma consultoria especializada em sucessão familiar.
Quando dividir é a melhor solução
O processo, iniciado oficialmente em 2016, trouxe à tona problemas que estavam adormecidos ou nem eram conhecidos. “Não é só a sucessão em si, mas toda reorganização da família e da gestão do negócio”, explica Fabrício.
Para Andreza Balerini, prima de Fabrício, formada em Administração de Empresas e uma das sócias, o processo revelou uma questão fundamental sobre a própria natureza da sucessão. “Quando eu penso na palavra sucessão para mim é alguém que está assumindo algo que está recebendo. Então às vezes a gente atribui muito esse peso aos filhos, que os filhos estão assumindo, mas tem o contraponto da entrega dos pais também”, reflete ela, que trabalha na fazenda desde os 12 anos e hoje cuida da recria e do financeiro.
“Muitas vezes a gente dá esse peso pros filhos quando os pais também já deveriam pensar isso lá no início, quando o filho já demonstra interesse ou faz uma busca profissional que vai agregar de forma positiva no negócio”, continua Andreza. “Isso deveria começar há mais tempo, até para evitar esses conflitos. Afinal é algo que os pais trabalharam a vida inteira para construir, não deve ser entregue de bandeja.”
Do familiar ao profissionalismo
As famílias se reorganizaram por afinidade, gosto no trabalho e forma de pensar o negócio. A nova sociedade ficou composta por Fabrício, Andreza, o irmão e os pais de Fabrício. No dia a dia, são Fabrício e Andreza que tocam a operação junto com seis a sete colaboradores.
Foi desgastante, mas se tornou a virada de chave. “Profissionalizar a nossa propriedade e tratar isso como empresa auxiliou muito a evolução do negócio”, afirma Andreza.
A partir de 2016, junto com as reuniões de sucessão, veio o levantamento sistemático de dados. Fluxo de caixa anual, controle financeiro, indicadores zootécnicos. “Tentamos usar app, mas não nos adaptamos. A parte zootécnica está no app, mas a financeira ainda não”, conta Fabrício com a sinceridade de quem sabe que a perfeição não existe — existe o que funciona.
Mas o maior aprendizado foi sobre a constância. “Chegava numa média boa e não conseguia manter. O objetivo era transitório, não conseguíamos manter os manejos, a rotina, os números”, relembra Fabrício. “Aprendemos a manter a constância, fazer mudanças duradouras, sem regressos significativos. Foi um grande avanço.”
Essa filosofia de constância se reflete em toda a operação. Os manejos foram simplificados para que o básico seja bem feito. “Caminho trilhado com bastante profissionalismo e prudência e não é qualquer percalço que faz a gente sair do caminho. Mas tudo isso começou lá atrás na sucessão, foi o grande desafio nosso ter virado essa chave”, resume o produtor.
Uma engrenagem em pleno funcionamento
Hoje, a propriedade trabalha com sete colaboradores, cada um com funções pré-determinadas, mas todos treinados para cobrir outras áreas quando necessário. O segredo? Alinhamento constante.
Todos os inícios de tarde, antes de iniciarmos as atividades, acontece uma reunião diária. Fabricio, Andreza e todos os colaboradores se reúnem para alinhar objetivos, definir prioridades, tratar pendências, fazer elogios e apontar pontos de melhoria. Quadros com informações do bezerreiro, planilhas e cronogramas ficam à vista para que todos saibam quais manejos são necessários.
“Tudo é o reflexo do todo. Tudo é importante, se o todo não estiver funcionando, alguma coisa não vai dar certo”, explica Andreza. “É uma engrenagem grandiosa em que toda a equipe precisa estar alinhada, e muito mais do que eles estarem alinhados é nós, quanto gestores, estarmos alinhados também, pois a equipe é o reflexo dos seus gestores e proprietários do negócio “, finaliza.
Dentro de cada setor, os responsáveis monitoram seus indicadores: proteína sérica, ganho de peso diário (de 1 a 1,1 kg/dia do nascimento à desmama), produção de leite. Mensalmente, há um fechamento da parte produtiva para ajustes de dietas, sempre em colaboração estreita com os consultores da fazenda.
Os resultados da constância
Com 100 a 105 vacas Holandesas em lactação e rebanho total de 210 animais, a fazenda alcança uma média anual de 49 litros por vaca por dia, chegando aos 53 litros de média em outubro/2025. A produção atual comercializada já saltou para aproximadamente 5.400 litros diários, um crescimento significativo que reflete a constância e o profissionalismo da gestão implementada nos últimos anos.
A estratégia de contratação contribui para esses números. A preferência é por estagiários que já passaram pela propriedade e demonstraram ajuste à cultura do negócio, o que facilita o trabalho. A Nova Esperança criou um programa de estágios para contribuir com a formação de novos profissionais e já recebeu estudantes de diversas instituições, inclusive estudantes internacionais. E estão sempre dispostos a receber novos estagiários.
Investir no que importa
De 2020 para cá, os investimentos focaram em conforto animal e otimização de espaços. O sistema de resfriamento foi reestruturado na sala de espera, com aspersão e ventilação corretamente dimensionados. Um novo barracão de compostagem para novilhas e vacas secas foi construído. O pré-parto ganhou mais conforto, assim como o lote pós-parto, com dieta específica. Até mesmo as primíparas receberam atenção especial com um lote separado.
Mesmo com a maior proporção de animais confinados, a propriedade segue utilizando piquetes com pastagens de forma estratégica para otimizar o espaço disponível. “Nem todo mundo precisa de toda tecnologia, nem toda tecnologia é necessária para todos”, pondera Fabrício sobre a adoção equilibrada de inovações.
Todo esse processo de reestruturação da sociedade trouxe dívidas a curto e médio prazo. Para os próximos dois anos, a palavra de ordem é controle: não haverá ampliação, apenas investimentos essenciais. A longo prazo, a ampliação dos barracões está no horizonte.
A comercialização de excedentes de animais tornou-se necessária; a fazenda tem produzido novilhas além da capacidade atual de expansão do rebanho.
Os desafios de gestão continuam. “Ainda não conseguimos fazer o monitoramento e a análise dos dados da forma que gostaríamos, com a frequência que gostaríamos, de forma rotineira”, admite a equipe. Estão passando por troca de sistema, reorganização de funcionários-chave, readaptação. Mas a diferença agora é que há um caminho claro. “Estamos buscando poupar tempo nesses processos de rotina e operacionais para sobrar mais tempo para outras funções.”
A história da Agropecuária Nova Esperança ensina que sucessão não é apenas sobre passar o bastão, mas sobre reorganizar estruturas, alinhar expectativas e profissionalizar processos. E ficam algumas lições:
- Números importam, mas constância importa mais.
- Tecnologia ajuda, mas não substitui o básico bem-feito.
- Acima de tudo, o sucesso é construído quando toda a engrenagem gira na mesma direção.
Publicado por: Maria Luíza Terra












